Depoimento anônimo #5

Bom, fui adotada com três dias de vida e eu me lembro vagamente de ter momentos bons com ela, mas lembro bem da primeira surra que eu levei por que não tinha feito dever de casa (eu tinha 7 anos) ela me mandou ir até o quintal e buscar a maior lança de São Jorge, me mandou deitar na cama de costas e sem a calça (eu estava vulnerável somente de calcinha) e aí então ela o fez e com aquilo me bateu. 

Como sou adotiva e nunca fui próxima da minha família (ambas) sofri boa parte da vida sem entender ou ter a quem recorrer ajuda, várias surras, já apanhei de tudo o que se possa imaginar, soco, chute, tapa, empurrão, ela já chegou a quebrar meu dedo mindinho por eu ser muito levada (eu tinha 9 anos) 

Ela sempre julgou minha mãe biológica, dizia que ela não me amava, que eu não serviria de nada, que ela era uma mulher da noite e trabalha em prostíbulo, (tudo mentira) passei anos me julgando um nada com ela dizendo "nem a tua mãe biológica te quis, você é um nada, não tem futuro". 

As coisas foram piorando com o desenrolar do tempo, eu fui crescendo e querendo a alforria de todo aquele sofrimento comecei a fugir de casa com 11 anos, pois qualquer motivo eu me tornava alguém ruim, eu n podia gostar de meninos porque qualquer homem era ruim pra "mim" (ela é casada com outra mulher), eu não podia ser quem eu era de verdade por medo de não atingir os níveis de satisfação dela, não podia tomar anticoncepcional porque pra ela era apoiar pra eu poder "foder" com os machos, não podia ter camisinha na bolsa porque eu seria uma puta.

Eu só queria ser amada, ser tratada com carinho, dizer mãe eu te amo e ouvir dela um eu te amo também, ver ela feliz, ver ela orgulhosa por me ter adotado, receber atenção, sentir nem que por um segundo o que é o amor de verdade. 

Acho que por isso engravidei tão cedo, ganhei minha filha com 16 e o que eu mais queria era sair do mundo em que ela comandava, até que ela convenceu o pai da minha filha a construir atrás da casa dela, foi como expandir o inferno, ela interferindo nas nossas decisões, até que ele decidiu ir embora, porque na cabeça dela O MEU EX MARIDO era propriedade dela também...

São cenas que me machucam que me fazem querer desistir da vida, ver a minha própria mãe destruindo meus sonhos, tirando a minha vontade de tentar lutar, eu me sinto uma mergulhadora sem oxigênio ou roupa de mergulho em meio ao oceano.

Eu nunca tive amigos de verdade, eu tinha problemas em casa que se espelharam na escola e nas atitudes que eu vivi. Um dia eu resolvi sair de casa por estar cansada de ouvir ela exclamar que se não tava bom ali pra mim que eu fosse morar na rua, nesse dia fui estuprada por um garoto que me deu alguma droga e me fez dormir, sabe o que ela me disse? "bem feito não mandei sair de casa!" 

Ela me culpa, diz que eu sou ingrata que eu não sei valorizar o amor dela, que quando ela morrer eu vou sentir saudades dela, que eu fujo dela sem motivo, que ela deveria ter me deixado morrer de fome com a Minha família biológica, que eu nunca vou ser ninguém, e diz mais que eu nunca apanhei pra valer que se fosse com o meu avô eu teria apanhado de chicote de correia de máquina.

Sabe o que me dói mais? Ver que meu irmão de 13 anos também passa por toda essa tortura e não entende o que acontece, ele veio de uma família muito pobre assim como eu não entende, ela bate nele por puro ódio de coisas mínimas por ter esquecido de limpar o quintal por exemplo, humilha ele, e por ser negro diz que vai devolver ele pra negreira. E isso me fez abrir minha história pra vocês. Os maus tratos contados aqui são reais, são diários... E isso nunca vai passar, eu sei. 

Mãe se eu pudesse daria lhe um recado: obrigada por me fazer aprender a como não ser uma mãe, como não destruirei os sonhos da minha pequena, pois ela sim merece todo o amor que ainda existe no meu ser e que você não foi capaz de sugar. Um dia você vai entender, que amor nunca foi a palavra pra definir nossa relação.

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