Depoimento anônimo #4

Esse é um relato de vários abusos que sofri durante minha adolescência. Quero dizer aqui que são palavras que perduram em minha mente e coração, nunca externei esses sentimentos para ninguém, mas hoje que tenho a oportunidade de escrever, falarei de coisas que me doem e muito até hoje, com meus 25 anos.

Bom, sou filha caçula de 3 irmãos e cresci vendo minha mãe humilhando meus irmãos mais velhos, até que eu me tornei a bola da vez.

As humilhações começaram quando eu cheguei aos 12 anos e tive minha primeira menstruação. Sofri o dia inteiro porque minha mãe teve que anunciar aos quatro ventos o que tinha acontecido. Passei o dia todo recebendo ligação das minhas tias, primas e a chacota das vizinhas (junto das suas filhas) cantarolando que “eu tinha virado mocinha”. Me lembro de chorar porque não podia tomar banho de piscina porque estava menstruada e fui chorar dentro do banheiro.... ela arrombou a porta do banheiro porque ouviu meu choro e ficou gritando que se eu queria chorar, ela ia me dar motivos para chorar de verdade.
Nesse dia percebi que tomei para mim todo fardo que meus irmãos já haviam carregado, somado com um pouco mais de crueldade da parte dela. Eu fui a que mais apanhei fisicamente.

Eu era uma adolescente legal, tinha muitos amigos (meninos e meninas) mas para minha mãe eu era uma “puta” que atraia um monte de moleques. Me lembro de uns amigos da igreja que me acompanharam até em casa depois do culto, mas para ela eu estava igual uma “cadela no cio”. 

Quando cheguei aos meus 14 anos, me apaixonei pelo namorado de uma amiga da escola, mesmo nunca tendo me envolvido com ele, sentia uma culpa muito grande. Então, escrevi em um diário varios pensamentos de auto julgamento por aquilo, e quando cheguei da escola, não tive tempo nem de tirar o uniforme, só me lembro de ser surpreendida com aquele caderno na mão dela e ela me xingando de um monte de coisas, disse que eu tinha dado pra não prestar e que eu só fazia vergonha pra ela.

Chorei por não poder confiar em ninguém, de não poder chorar com ninguém tudo aquilo que sofria.
Quando cheguei aos meus 15 anos, tive a infelicidade de cruzar com aquele que viria ser meu 1º namorado. Policial, 25 anos, “bom moço”, rapaz da igreja... tudo o que mamãe sonhou para mim. Namoramos uns 4 meses, quando decidi deixá-lo porque não gostava dele, fora que constantemente ouvia piadas dos colegas dele sobre pedofilia, sobre “pegar pra criar” entre outras coisas. Terminei com ele e dias depois conheci um rapaz muito gentil, por quem me encantei. Mas mamãe não quis nem conhecê-lo porque sabia que ele trabalhava como pedreiro na cidade. Acordei uma madrugada com meu ex namorado batendo loucamente na porta de casa, gritando que me amava e minha mãe foi atender, conversar com ele. Depois de uma longa conversa, ela entrou no meu quarto gritando que eu só fazia “merda” e que se eu não voltasse com ele, ela ia me dar muita “porrada” e depois ia me entregar para minhas tias (irmãs do meu pai por quem tenho profundo ódio). Bom, voltei com ele e depois de 2 meses juntos, ele me estuprou, me deu remédios para não engravidar e uma semana depois do fato, ele foi me “entregar” pra minha mãe. Disse que eu não era pessoa para ele, que eu não queria as mesmas coisas que ele e que não daria certo. Saiu de lá e nem sequer olhou pra minha cara....
Minha mãe olhou pra mim e aos gritos perguntou: “que merda tu já fez pra ele te deixar?”
Quando eu disse o que tinha acontecido, ela falou que eu era muito mentirosa e que eu só queria fazer aquilo para sujar a imagem dele. Que ele que estava certo em me deixar!
Depois disso eu senti que me tornei uma pessoa muito carente de carinho, me sentia feia, infantil...

Comecei fazer as coisas para tentar suprir aqueles sentimentos que eram tão pesados.. mentia, fugia da escola pra poder sair com minhas amigas, acessar internet, ouvir musicas (minha mãe era evangélica fanática, então não podia ouvir musicas do “mundo”). Uma vez cheguei em casa e fui atacada por ela, do nada, sem ter razão, fui arrastada pelos cabelos, recebi chutes, bofetadas no rosto e eu não tinha tempo nem de perguntar o por quê. Muito tempo depois que fui saber que alguém tinha dito a ela que me viu dançando funk na frente da escola que estudava (coisa que nunca fiz).

Nesse dia eu apanhei inocente e sem chance alguma de me defender.
Dia seguinte desse fato, tive que ouvir ela falando mal de mim para uma amiga dela  (que não perdia a oportunidade de falar de mim) e calada tive que ficar quando ouvi da boca dessa “amiga” que se a mamãe deixasse, ela mesma me dava uma surra. Que ela tinha muita vontade de me bater por tudo o que eu fazia mamãe passar. Outro dia, conversando com ela sobre esse episódio, ela só ficou rindo. Não me pediu desculpas por aquilo. Não verdade, nunca ouvi um pedido de desculpas dela. Apanhei tanto com um pedaço de pau uma vez, que minhas pernas ficaram roxas e ela me obrigou ir de saia para a escola porque ela queria que todos vissem que eu tinha feito coisa errada, eu nem me lembro o que eu fiz de errado para sofrer aquela penitência, mas fui assim mesmo para a escola e tive que responder para cada um a razão daquelas marcas. Apanhei na escola porque “conversava demais” com minhas colegas, porque eu gostava de um menino, porque me atrasei uma vez quando voltava pra casa, porque emprestei um livro de uma amiga. Enfim! 

Hoje, com 25 anos, minha mãe só me liga quando precisa de alguma coisa. Moro com meu marido e tenho uma enorme vontade de NÃO ser mãe porque morro de medo de ser igual a ela.

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