Depoimento anônimo #10

Tenho 34 anos e hoje me sinto tão vulnerável como uma criança de 4 anos
Neste momento estou trancada no banheiro, deitada, encolhida e chorando. Perguntando a Deus, santos, orixás e seres de luz o que eu fiz para merecer o que passo a minha vida e como me deixei ficar assim. Muitos vão dizer que é vitimismo, mas nos últimos tempos eu estou sem forças e me vendo cada dia mais afundada no buraco. Algumas pessoas do meu convívio sabem só um pouco... e quem vive comigo... no caso meus irmãos... sabem perfeitamente. Eles sofrem junto as mesmas coisas, cada um do seu jeito.
Passei a minha vida inteira tentando fugir da minha mãe narcisista. Demorei 34 anos para saber e descrever exatamente sobre vendo o tema. Olhe que depois de adulta passei por 5 psicólogas.

Nunca consegui me conectar a minha mãe como filha. Nunca me senti confortável em sua presença. No começo, na infância... era medo, muito medo de uma pessoa extremamente agressiva. Eu era a sua boneca, vivia bem vestida, perfumada, penteada, mas tratada com rispidez. Sempre ameaçada de levar palmada. Eu tinha uma personalidade muito introvertida. Minhas fotos bebê ou criança... nunca sorria. Era cara fechada ou de choro, pois eu tinha que fingir estar feliz ou então levava beliscões e ela falava entre os dentes para eu sorrir e mostrar as fotos da linda criança dela. Sim... eu era uma criança bonita. Porém melancólica demais aos padrões infantis. Eu fui forçada a fazer uns desfiles, mas depois de chorar muito num cansativo dia passarela, desistiu de me por pra “trabalhar”. Logo ela, que nunca trabalhou muito tempo.
Minha referência de mãe e de carinho era minha avó. Mas a maioria das vezes ela nunca tomava partido, pois quem bateu Mateus que o balance. Ela trabalhava muito, passava a maior parte do dia fora de casa. Eu amava minha avó e só fui entender os conflitos dela com minha mãe depois de adulta.

Aos 4 pra 5 anos um amigo do meu pai abusou de mim enquanto eles bebiam. Ele me dedilhou. Doeu. Eu interpretei isso como um beliscão. Calei, porque meu pai era metido a valente e ia matar o homem, ser preso e eu não queria isso. Ou seria culpada de tudo.
Meu irmão nasceu e eu falei pra minha madrinha que o homem tinha “me beliscado”. Ela falou pra minha mãe... minha mãe me levou correndo ao médico que atestou que eu estava intacta, ou seja, o hímen estava lá e pra ela era o mais importante. E a partir daí nunca mais se tocou no assunto. Apenas me falou que Eu não devia sentar no colo de homens e nem deixar q eles me tocassem.
Sinto que ao menos eu deveria ter ido ao psicólogo nessa época. Hoje tenho sequelas psicológicas devastadoras, uma ideia totalmente errônea do que é amor e relacionamento saudável. Assim, prefiro não me relacionar com ninguém.

Cresci escutando que eu estraguei a juventude dela. Que fui “um vacilo”. Que casou com o meu pai pra me dar um nome. Que permitiu que eu vivesse pq abortou outros. Que deveria ter me abortado, que assim teria uma vida livre. Que me achou na lata do lixo e ficou comigo só porque eu tinha lindos olhos azuis. Que iria cortar meu grelo e jogar no feijão. Eu ficava apavorada e chorava muito. Parece bobagem, mas na cabeça de uma criança não é.

Que eu me lembre... levei minha primeira surra quando meu irmão nasceu. Minha mãe só deixou eu vê-lo quando ele já tava durinho, porque nasceu prematuro. Num dia subi no berço achando que podia brincar com ele, então ela me puxou pelo braço e me jogou no chão me enchendo de chineladas de couro cru.
Meu irmão era o bebê de ouro. Nasceu pequeno e frágil. Eu nunca podia fazer barulho. E depois, não podia estressá-lo, deixar chorar, etc. Eu tinha que sair pra brincar e olhar ele ao mesmo tempo.

Eu era boa aluna. Minha escola era de freiras e elas cuidavam de mim. Ficava muito tempo lá pois detestava ficar em casa. Atividades eu arrumava pra ficar mais tempo lá. Procurei referências maternas em muita gente, porque não gostava da minha própria mãe. Mas fingia/finjo gostar.

Levei surras de arrebentar anéis das minhas mãos. E ela ainda diz que apanhei pouco, devia ter apanhado mais pra ser mais orientada na vida.
Sempre tive coisas boas como pobre, roupas, cursos, viagens. Mas sempre passadas na minha cara. Como se criar filho fosse um favor enorme. A primeira vez que escutei de uma vizinha que criar filho é obrigação e não favor, fiquei aliviada.

A adolescência foi um suplício.
Lia meus diários. Perdi a vontade de escrever por causa dela. Eu gostava de escrever, desabafar no papel.

Se eu tivesse um paquera, eu era vagabunda, que eu ia engravidar, ia perder a juventude como ela.
Dei meu primeiro beijo, ela descobriu e queria me levar pra fazer teste de virgindade.
Eu me auto mutilava, ela dizia que ia me jogar numa manicômio. Apanhei também. Ela não conseguia lidar que estava errando na minha criação. E mais uma vez não procurou tratamento médico pra mim.

Só tinha amigos na escola, pois ela não deixava eu ter amigos na rua.
Eu tinha que passar no vestibular da Federal pra mostrar a sociedade os esforços dela pela minha educação e não perder a pensão do meu pai. Passei num curso que detestava, mas era pra manter o status.

Todos os dias e por qualquer motivo... tinha briga em casa. Ou comigo ou com minha avó.
Ora eu era a filha brilhante me comparando com meu irmão criado como um incapaz... ora eu era a inútil. Eu dava aulinhas de reforço... e sempre entreguei os trocados a ela. Sempre achei que precisasse... mas depois vi que o gasto em casa era grande com muitos supérfluos. Comprar os cigarros dela.

Primeira fuga foi eu querer ser freira. Achava que rezando ela iria melhorar. Amansar o coração dela e resolveria os problemas se eu rezasse muito. Sim... eu gostava do ambiente. Eu gosto. Me sinto segura e querida. Me preparei muitos anos apesar dos protestos de todos. Mas não deu. Pra felicidade dela, afinal filhos tem a obrigação moral de cuidar dos pais. Mesmo eles sendo abusivos.

Entrei na faculdade. Saí. Minha avó morreu. Meu chão se abriu. Tive que crescer do dia pra noite. Elas se perdoaram no leito de morte. Mas vez ou outra minha mãe joga na minha cara que eu não era primeiro lugar na vida da minha avó. Mas eu não ligo, só importa o que minha avó significa pra mim.

Segunda fuga: Fiz Escola técnica - Federal (ela disse que nunca pagaria faculdade pra mim). Passei em primeiro lugar. Ela me deu um celular ultimo modelo da época. Mas foi só. Depois foi um tormento. Ela disse q como saí da faculdade... não ia me ajudar. Eu trabalhava, estudava, dormia só 4h por dia (0 ás 4h da manhã). Nesse meio tempo me ferrou financeiramente, cartão que usava e não pagava, cheque especial do banco, me obrigava a pagar um plano de saúde caríssimo, pois não passaria uma noite comigo no SUS. Eu ainda tinha que ajudar em casa, com gás, com a carne da semana e outras coisas. 

Ela sempre ganhando bem e ainda bancava uma casa na praia pras amigas dela irem curtir com ela. Eu só ia lá raras vezes, pois achava um gasto desnecessário e de fato, ela quebrou)
Uma vez ela me humilhou tanto e me bateu que eu saí de casa. Fui morar no sitio com umas amigas da escola. Lá era muito, muito pobre. Aprendi muito, foi uma verdadeira lição de vida. Almoçávamos na escola um pratão porque muitas vezes chegávamos no sítio pra jantar e não tinha nada. Dormíamos com fome. Mas era todo mundo feliz e unido.

No dia da formatura na escola técnica minha mãe me aparece com um lindo vestido, um anel de ouro e a família pra tirar foto. Odiei, mas não tinha opção. Fiz a linha falsa feliz. Entrei com ela como minha paraninfa e ela achou tudo um saco, rezando para acabar e ir embora.

Terceira fuga: Logo depois passei pra faculdade de engenharia. Federal também. Numa cidade a 250km distante. Foram 3 anos de sonho. Vivia numa república. Só ia pra casa nas férias. Mas muitas vezes ela me deixava sem limite no cartão conjunto só pra eu ligar pedindo algo. A vida dela era dizer que eu vivia bebendo e transando por não estar nas vistas dela. Ainda nas férias eu arrumava algo temporário pra trabalhar e não pedir dinheiro. Pras amigas dela eu era a estudiosa, já em casa eu era uma vagabunda sugadora. Que nem cacife pra puta eu tinha. Ela descobriu que eu tinha um caso com um coronel da PM. Ok. Ele era casado. Mas botou muita feira lá em casa. Ela comeu muito do dinheiro dele sem saber. Ele me bancou muito pra que eu deixasse o santo dinheiro dela em paz. Mas foi um inferno. Ela ameaçou ir no quartel dele e fazer um escândalo. Ps: eu era de maior e sabia bem oq tava fazendo. Dizia que tinha nojo de mim por ele ser coroa e negro. Piadas sobre o órgão genital dele. Etc etc. Até hoje. Disse que morre, mas não esquece.

Pegou meus primos pra criar. E eles sofrem também. Vive dizendo que vai por eles pra fora de casa.
Com isso voltei pra casa, transferi meu curso. Ralei muito. Estudava e trabalhava, tomava conta dos meninos, levava pra médico, acompanhava na escola, etc. Parou mais de brigar comigo, mas eu vi todos os dias ela brigar com alguém. Isso cansa.

Quarta fuga: Escolhi minha profissão pra morar fora. Outra cidade, outro estado, outro país.
Me formei. Morei em vários lugares mas não consegui me estabilizar. Ela diz que quer que eu vença, que eu more longe... mas é uma força negativa dela que faz com que eu volte pra casa todas as vezes.

Agora estou eu aqui. Sem emprego. E não consigo arranjar 1 nem bom nem ruim. Só queria ganhar pelo menos 1 salário e meio para alugar um quartinho e sair de casa.
Minha mãe usa e sempre usou das suas doenças como forma de dominação. Não se trata adequadamente no médico para tá sempre na bad e ter a atenção de todo mundo. Pra todos fazerem as vontades dela e se não der resultado, ela passa mal e aquele mimimi de coitada. Arruma confusão pra eu resolver. Acorda sempre muuuito depois do meio dia, sempre mal humorada e reclamando. Não levanta mais um prato. Eu e irmãos fazemos tudo e mesmo assim nada presta. Se gaba porque banca a casa e temos que ser seus empregados mesmo. É raro dar um obrigado pra gente.

Mas o pior são as humilhações para comigo e meus irmãos. Uma energia negativa que nos impede de evoluir. Uma pessoa que prega o espiritismo, que lê o evangelho, que manda mensagens bonitas para todos e logo depois nos chama de filho da puta, de nojentos, manda se fuder, tomar no cu e de tudo o que não presta. É difícil. Surta, passa horas falando, não deixa ninguém dormir, puxa faca, joga e quebra objetos.

Me prende. Eu, uma pessoa de quase meia idade... dar toda satisfação da minha vida. Olha até minhas calcinhas pra ver se tenho homem ou não. Se eu demoro na rua, com quem estou, onde estou, que horas volto. Isso não é proteção. É perseguição! Agora cismou que quer comprar uma cama de casal para dormirmos juntas. Nem a dignidade de um quarto individual eu tenho. Tenho mini crises de pânico, pois me vejo cada dia mais envolvida nessa situação. Dias que me sinto sufocada, outros dias apática. Correndo e ajudando quem não quer ser ajudada. Cada dia mais dependente porque quer. Eu estou cansada. Me pergunto se passarei o resto da minha vida assim.

Eu não quero nada dela... só uma distância segura.
Ao mesmo tempo tô me sentindo um lixo. Uma fraca. Sensação que passei a vida toda nadando e morri na praia. Sem emprego, sem dinheiro, sem ter pra onde ir. Tenho vontade de morrer.

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