O DIA DAS MÃES: uma homenagem aos "filhos da mãe"

Por Patrícia Luiza Prigol

Fui convidada a escrever um artigo sobre esta data tão comemorada pelas mídias em geral, “O Dia das Mães”.

Fiquei pensando no que escrever para não contrariar a minha autenticidade, pois sou uma psicóloga “não convencional”. 

Saio mesmo dos padrões esperados pela sociedade e isso me tranquiliza frente ao que sou e ao que me proponho a fazer. Não uso peneiras para tapar o sol ou panos quentes para amenizar as feridas. Tampouco sou desumana a ponto de não saber acolher a dor do outro. Mas tenho uma convicção, enquanto sujeito constituído, de um pensar e um sentir que acessa o REAL mesmo que o IDEAL esteja sempre presente. Ou seja, enquanto profissional da área das humanas: por mais doído que possa ser enxergar a realidade tal como ela é, ainda é a experiência mais enriquecedora e libertadora que uma pessoa pode ter.

Com esta introdução peço licença à mídia em geral, a todas as formas de propaganda para consumo nesta data tão eloquente e comovente, para fazer uma homenagem aos “filhos e filhas da mãe”. Sem querer desmerecer ou pouco valorizar as mães suficientemente boas, proponho aqui outra reflexão para esta data, a qual dificilmente aparecerá em qualquer mídia.

Como dizia, com muita propriedade, o amado e saudoso psicoterapeuta José Ângelo Gaiarsa, “Mãe não tem xoxota”, referindo-se ao mito da mãe perfeita, considerada espelho da Virgem Maria, uma santa da Igreja Católica que engravidou do Espírito Santo e continuou casta, sem pecado algum, tornou-se a referência da mãe perfeita.

Então, proponho rasgarmos o véu que imprime o mito da mãe perfeita. Quero aqui homenagear os filhos e filhas das mães imperfeitas.

Estou falando dos filhos que sobreviveram à mãe e à própria família. Refiro-me aos filhos e filhas de mães insuficientemente boas. Estes merecem minha homenagem, pois conheço vários filhos e filhas que frequentaram meu consultório e alguns que ainda frequentam e tentam sobreviver aos maus tratos de sua mãe, às investidas sociopáticas de mães adoecidas ou “precárias”. Aos colegas que devem estar agora puxando seus cabelos ou assustados com a minha abordagem, e mesmo aos leitores em geral, saibamos, todos, que as mães psicopáticas também existem e também sofreram as perversidades na sua infância, tornaram-se reféns ou vítimas de abusadores (seus pais). Obviamente que a história se repete até que a consciência seja despertada numa ou noutra geração para uma nova possibilidade de superação do trauma na elaboração desses conflitos. Somente assim a repetição do trauma das perversidades sofridas cessará.

Bem, voltemos ao tema: Homenagem aos filhos e filhas do abandono, da perversidade, do requinte de crueldade de mães que planejam matar seus filhos, seja de uma forma direta ou indireta. Indiretamente, por exemplo, quando as mães escravizam seus filhos trazendo-os como parceiros dentro de um casamento fracassado, roubando-lhes a maturidade que o filho(a) poderia conquistar se não se sentisse preso as artimanhas dessa mãe tão poderosa (e simbiótica). Homenageio a todos os filhos e filhas que se sentiram responsáveis pelos cuidados da mãe, desde o seu nascimento, numa inversão da ordem dos papéis entre mães e filhos. Estas mães que pariram crianças e as educaram para tomarem o lugar da falta, do abandono que cometeram com elas. Parabenizo a todos estes filhos e filhas que conseguiram romper essa demanda encarando o seu próprio abandono, mas se responsabilizando pelos seus próprios cuidados sem cair na armadilha da culpa imposta pela mãe que chora e pede colo ao filho. Homenageio a todas as filhas que conseguiram sobreviver a sua mãe quando a mesma desqualificava o pai e dizia que todos os homens eram iguais. Parabenizo essas filhas que conseguiram fazer boas escolhas afetivas mesmo com a maldição imposta pela mãe insuficientemente boa. Parabenizo filhos e filhas que não adoeceram por conta do adoecimento psíquico da mãe ou por manobras de manipulação (mesmo que inconscientes), as quais invalidavam os filhos em qualquer tentativa ou qualquer sucesso que tivessem na sua vida. Agora, parabenizo mesmo a todos os filhos e filhas que sobreviveram à inveja da mãe. Que compreenderam que a mãe é um ser humano igual a qualquer outro e que pode errar feio, errar gravemente na sua postura, na sua atitude, mas que é apenas um ser humano falível e não precisa, portanto, ser idolatrada como a Virgem Maria. Parabenizo esses filhos por tirar todo o poder que essa imagem mitológica teria sobre o seu psiquismo.

Nesta data “tão especial” (para uma sociedade capitalista e consumista), parabenizo a todos os filhos que desidealizaram sua mãe e que, com isto, acomodaram melhor os sentimentos de raiva, dor, tristeza, abandono, medo.

Filhos lembrem-se disso: “Mães idealizadas são mães poderosas”. Mães desidealizadas são mães normais, iguais a qualquer pessoa, portanto, posso não empoderar esta figura e assim me livrar de um cativeiro criado pelo mito da mãe necessária! A mãe perfeita, idealizada, é a mãe necessária! Livre-se desta! Mães boas são mães desnecessárias. São mães que libertam seus filhos da simbiose, de suas carências e de suas sombras.

FELIZ DIA DOS FILHOS QUE SOBREVIVERAM À MÃE “IM-PERFEITA”!

Esse artigo foi originalmente publicado no website Patrícia Luiza Prigol e está sendo reproduzido aqui com a devida permissão.

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