Artigo original: Ehrlich, Y, BS. Garakani, A, MD. Palvos S, MA. Siever, L, MD. Personality Disorders, SAM. [The original English language work has been published by DECKER INTELLECTUAL PROPERTIES INC. Hamilton, Ontario, Canada. Copyright © 2015 Decker Intellectual Properties Inc. All Rights Reserved.] / Tradução: Paulo Henrique Machado / Revisão técnica: Dr. Lucas Santos Zambon
Características Diagnósticas
O Transtorno de Personalidade Narcisista (TPN) se caracteriza por um padrão generalizado de grandiosidade, necessidade de admiração e ausência de empatia. Assim como ocorre em outros Transtornos de Personalidades, o TPN ocorre inicialmente no começo da vida adulta e permanece em vários contextos. Mais especificamente, para fazer o diagnóstico de TPN, as pessoas têm de apresentar cinco ou mais entre os comportamentos descritos abaixo.
CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS PARA TRANSTORNO DE PERSONALIDADE NARCISISTA |
O paciente deve apresentar cinco ou mais entre os seguintes critérios: |
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De um modo geral os indivíduos com TPN têm a sensação da grandiosidade de sua própria importância. Mais especificamente, eles valorizam suas habilidades e realizações de uma forma pretensiosa ou exagerada. Da mesma forma, quando outras pessoas não confirmam sua admiração ou respondem com críticas ao invés de elogios, eles geralmente ficam surpresos ou mesmo indignados.
Concomitantemente com a tendência de sobrevalorizar suas próprias realizações, há a tendência de desvalorizar ou menosprezar as contribuições de outras pessoas. Egos inflados podem levar os indivíduos com TPN a criar fantasias sobre sucesso ilimitado, poder, brilhantismo, beleza ou amor ideal, na medida em que acreditam que são merecedores de todo esse sucesso.
Além disso, o diagnóstico de TPN geralmente indica que as pessoas se sentem superiores, especiais ou exclusivas e presume que todas as outras pessoas concordam com essas autoavaliações. Consequentemente, elas procuram cercar-se de outros indivíduos ou instituições que acreditam ser igualmente privilegiadas e, portanto, “refletem” seus próprios valores.
A obsessão em serem os “melhores” em qualquer campo de atividade (médicos, advogados, cabeleireiros) é comum em indivíduos com TPN, que julgam suas preocupações mais extraordinárias e importantes que as de outras pessoas. Por outro lado, normalmente as pessoas com TPN ignoram as credenciais dos especialistas que não confirmam suas autoimagens ou que prestam os serviços solicitados independentemente de suas qualificações reais.
Autoestima frágil é inerente a essa condição, levando-se em consideração que esses indivíduos precisam da admiração compensatória. O medo generalizado de serem inadequados ou negligenciados leva os indivíduos com TPN a cobrar comentários lisonjeiros e atenção constante. De um modo geral, esperam ser cumprimentados efusivamente quando entram em algum local ou que outras pessoas olhem com cobiça seus objetos pessoais.
Eles podem ser encantadores diante de elogios e de fanfarronices positivas; eles tendem a ser extremamente orgulhosos e podem se sentir confusos ou irritados nas situações em que não recebem a reação positiva esperada. O sentimento de orgulho se manifesta por meio da expectativa de que seu trabalho ou suas prioridades sejam superiores às das outras pessoas, recusando-se a permanecer em filas ou solicitando o fornecimento imediato de algum tipo de serviço.
Há muitas implicações interpessoais negativas com origem no orgulho típico dos indivíduos com TPN. Ao acreditarem que suas necessidades são mais importantes que as das outras pessoas, esses indivíduos geralmente as exploram ao sobrecarregar os colegas de trabalho, ao exigir os melhores recursos para si mesmos ao invés de favorecer a família ou amigos, e a usar os relacionamentos exclusivamente para seus ganhos pessoais.
Ao considerarem suas necessidades mais importantes, esse tipo de indivíduo possivelmente faça amizades apenas com pessoas que julga “valer a pena” perder seu tempo e atenção, e provavelmente não fazem nenhum sacrifício por outras pessoas. Ao manter esses conflitos interpessoais, os indivíduos com TPN também têm ausência de empatia e tendência de não reconhecer as necessidades, os sentimentos ou as experiências dos outros.
Isso se manifesta ao falar exaustivamente sobre emprego, saúde, família ou interesses pessoais, não tolerando informações recíprocas de seus interlocutores. Alguns indivíduos com TPN possivelmente se recusem a ler as sugestões de outras pessoas e considerar seus próprios comentários respeitosos; por exemplo, gabam-se de seu sucesso ou saúde, enquanto o interlocutor menciona derrotas ou enfermidades.
Os indivíduos com TPN poderão interpretar como fraqueza os sentimentos e as experiências das outras pessoas. Sentir-se superior leva esse tipo de indivíduo a se preocupar com o fato de que os outros possam sentir inveja dele, embora, com frequência, sejam gananciosos e sintam que eles próprios é que mereciam ter as coisas possuídas por outras pessoas.
Os indivíduos com TPN geralmente minimizam o sucesso dos outros e acham que não merecem elogios. As atitudes mais comuns incluem arrogância, descaso e presunção, resultando em comportamentos paternalistas ou ofensivos em relação às outras pessoas.
A maioria dos sintomas de TPN se origina na autoestima frágil, que torna esses indivíduos vulneráveis a “danos” causados por críticas ou incapacidades. Apesar de demonstrarem externamente um sentimento de arrogância e orgulho, esses indivíduos reagem muito fortemente aos comentários negativos, que os fazem sentir humilhados, degradados, ocos e vazios.
Os transtornos internalizantes (manutenção das emoções internamente) e externalizantes (manifestação nos comportamentos externos) são sentimentos negativos que geralmente levam os indivíduos com TPN a adotar comportamentos de desdém e desprezo em relação às pessoas que consideram uma grande ameaça à fragilidade de sua autoestima.
Diagnóstico Diferencial e Comorbidades
Diversos traços típicos do TPN são facilmente confundidos com outros TPs, em especial os transtornos do Grupo B. Assim como nos transtornos antissocial, emocionalmente instável e histriônico (AsPD, TPEI, TPH), os indivíduos com TPN são volúveis, emocionalmente insensíveis e, em geral, exigem atenção e admiração. Todavia, a característica principal distintiva do TPN é o sentimento de grandiosidade.
Ao contrário do TPEI, o diagnóstico de TPN revela pessoas com autoimagens relativamente estáveis e com menor probabilidade de se envolver em comportamentos autodestrutivos ou impulsivos. O TPN poderá também ser distinguido de TPH pela ausência de emoções e sensibilidade, chegando mesmo a desprezar as necessidades de outras pessoas. A despeito da sobreposição de características com AsPD, as pessoas com TPN não são necessariamente agressivas, impulsivas e decepcionantes, mas exigem atenção permanente e são invejosas.
Há vários transtornos do Eixo I que podem criar alguma confusão nesse tipo de diagnóstico. Assim como no transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) ou no transtorno de personalidade obsessivo-compulsiva (TPOC), as pessoas com TPN se sentem mais capazes de executar tarefas, em comparação com indivíduos com outros transtornos. Entretanto, a motivação subjacente no TOC tem como foco atingir a perfeição, ao invés de acreditarem que suas habilidades são superiores.
Além disso, de um modo geral, os indivíduos com TOC se fazem autocríticas ao invés de exaltar sua própria personalidade. A grandiosidade também é uma característica de episódios maníacos ou hipomaníacos; no entanto, as distorções de humor que acompanham esses episódios de mania facilitam a distinção de TPN.
Os investigadores encontraram algumas comorbidades entre o transtorno de uso de substâncias, transtorno de ansiedade e outros TPs. Mais especificamente, observou-se que há uma relação entre indivíduos com transtorno bipolar I e indivíduos com transtorno do pânico com agorafobia e dependência de drogas.59
Genética
Em uma revisão de 2010 de estudos sobre a etiologia de TPN, Ronningstam mencionou dois estudos que haviam sugerido a presença de um componente genético no desenvolvimento de TPN.152 Mais especificamente, Ronningstam encontrou uma taxa de herdabilidade de 45 a 80%.
Neurobiologia
Até recentemente, havia poucos estudos neurobiológicos sobre TPN. Porém, alguns estudos mostram que há pessoas com TPN com ausência de empatia, em especial empatia emocional, nas tarefas de reconhecimento facial ou em outros testes empíricos.153,154
O único estudo de imagens reconhecido com foco no TPN registrou a existência de um volume menor de substância cinza na ínsula anterior (área que regula as emoções, incluindo empatia) em IRMs estruturais, em comparação com os controles.155
Etiologia
Embora as pesquisas sobre as causas genéticas e neurobiológicas de TPN sejam muito limitadas, há várias teorias relativas ao desenvolvimento que exploram a etiologia desse tipo de transtorno de personalidade. Fonagy e colaboradores sugeriram que o desenvolvimento de TPN é o resultado de discrepâncias entre o estado emocional real de uma criança e os falsos conceitos dos pais que levam a modelagens comportamentais e a imagens inapropriadas.156
Outros pesquisadores apontam para a integração dos mundos externo e interno, em que o mundo externo se refere às percepções e expectativas de outras pessoas e o mundo interno se refere aos sentimentos e às reações internas.149
Imbesi criou a teoria de que as crianças que foram excessivamente mimadas ou elogiadas aprendem a enxergar seu mundo interno como merecedor de gratificações externas.157 Outra teoria é que as crianças que desempenham papéis fora das expectativas normais de um determinado nível de desenvolvimento aprendem a reconciliar essa inconsistência apresentando traços de TPN.158
Otway e Vignoles tentaram esclarecer a natureza contraditória da grandiosidade e da vulnerabilidade inerente ao TPN postulando que a presença de frieza e de sobrevalorização parental é uma forma de prever o desenvolvimento de TPN.159 Outra perspectiva de desenvolvimento argumenta que as crianças que apresentam estilos de ansiedade e de personalidade esquiva podem ser suscetíveis ao TPN como reflexo de hipervigilância da rejeição e proteção resultando na fragilidade da autoimagem.160
Há também a teoria de que o TPN é um problema de autorregulação,156,161 em que as características do transtorno não são consideradas problemáticas pelos indivíduos, mas são elementos essenciais com a finalidade de minimizar a raiva e reações defensivas vergonhosas.152
Prevalência por Cultura, Gênero e Idade
A pesquisa Wave 2 National Epidemiological Survey on Alcohol and Related Conditions concluiu que a prevalência de TPN ao longo da vida é de 6,2%, e os homens apresentam taxas ligeiramente mais elevadas que as mulheres (homens: 7,7%; mulheres: 4,8%).59
O TPN acomete mais frequentemente homens e mulheres afro-americanos, MULHERES HISPÂNICAS, adultos jovens e adultos separados, divorciados, viúvos ou celibatário. No que diz respeito aos homens, descobriu-se que há uma associação entre TPN e incapacidade mental. De um modo geral, o diagnóstico de TPN diminui ao longo da vida, sendo que o declínio maior ocorre após os 29 anos de idade.59
Prognóstico e curso
As pesquisas sugerem que o TPN possivelmente não seja crônico ao longo da vida, considerando que esse tipo de transtorno é inversamente proporcional à idade.59 Entretanto, foram também encontradas taxas baixas de declínio entre 30 a 44 anos e 45 a 65 anos de idade nos casos de TPN, sugerindo que, em alguns indivíduos, o diagnóstico de personalidade pode persistir durante toda a vida.59
Os indivíduos que atendem aos critérios para TPN podem ser altamente funcionais e super-representados em determinados ambientes competitivos, como, por exemplo, nas escolas militares e nas faculdades de medicina, sugerindo que esse tipo de transtorno pode criar impactos profissionais e criativos, assim como na ascensão social.152
As discussões mais recentes tiveram como foco o relacionamento sociocultural com tipos de personalidade narcisista. Mais especificamente, houve alguma troca de informações sobre a funcionalidade relativa de ser autoconfiante, independente, determinado, assim como de procurar atenção e ter foco em si mesmo.152 Todavia, acredita-se que o narcisismo patológico seja distinto em suas implicações interpessoais negativas.162
Tratamento
Em uma revisão de 2010 envolvendo estudos sobre opções de tratamento de TPN, Dhawan e colaboradores confirmaram descobertas anteriores de que a literatura sobre esse tópico é relativamente mínima.163 Os poucos estudos que foram acessados consistem de estudos de casos de baixa qualidade ou de observações informais.164?166
Existem vários obstáculos ao tratamento como função das características de TPN. Os médicos possivelmente tenham dificuldades para estabelecer relações fortes como resultado da volatilidade de seus pacientes.164
Os indivíduos com TPN podem ser particularmente sensíveis às reprovações percebidas de seus médicos e interromper prematuramente o tratamento caso se sintam ameaçados.167 Para finalizar, a presença de transtornos comórbidos, como outros tipos de personalidade do Grupo B ou abuso de substâncias, poderá complicar ainda mais as opções de tratamento.59
Extraído de: Transtornos de Personalidade